Foto de um tigre, é da natureza dele ser mal?

O pobre que compra iPhone

27/10/2022

Finanças

Em locais com grande desigualdade de renda, os que tem menos vivem sob grande estresse social, possuem maiores chances de estarem depressivas (RIDLEY, 2020) e com a imunidade acabada (KLOPACK, 2022). Isso causa um sistema que se retroalimenta de valorização de artigos de luxo para uma aparente subida na hierarquia social, mesmo sem dinheiro para tal. Inclusive, um desses itens é o iPhone.

A evangelização do iPhone

"Evangelização" foi um termo popularizado na indústria nos anos 90, proeminentemente pela Apple, que trazia uma ideia simples: do Grego, este termo significa "trazer boas-novas", ou especificamente, como estes produtos podem melhorar a sua vida (KAWASAKI, 2015). Dessa forma, ao longo do tempo, empresas foram vendendo cada vez mais um estilo de vida, que pode ser visto como alcançável, bastando somente comprar o produto, e aqui o iPhone se destaca, um produto anunciado como algo proveniente de Deus (CAMPBELL, 2010).

Esse estilo de vida oferecido pelo Apple tem reverberado a anos e criando um mito de uma marca de luxo, apesar de oferecer o mesmo produto que outras marcas, mudando apenas visuais. Por quê gastar 4x (quatro vezes) a mais sendo que poderia comprar um celular mais barato? A resposta é simples, basta comprar um iPhone de última geração, colocar uma roupa bacana e sair por aí, que é possível resetar o estresse social e se enquadrar como o novo "normal". Uma solução fácil, porém que trás diversos problemas socioeconômicos.

Influência do iPhone no Brasil

Um dado importante para traçarmos um argumento é o índice de Gini, que mostra o quão concentrado é a renda em determinado grupo.


Imagem 1: Coeficiente Gini para o mundo, em 2020. Quanto mais escura a cor, mais concentrado.

Para o Brasil, temos algo já bem conhecido, que no Norte, Nordeste e Centro-oeste há uma maior concentração de renda.


Imagem 2: Coeficiente Gini para o Brasil, em 2020.

Usando o Google Trends, e buscando quanto o iPhone foi pesquisado em relação à segunda marca mais pesquisada, Samsung, temos que os estados se repetem: onde é mais pesquisado o iPhone são os estados que possuem maior índice de Gini.


Imagem 3: Top 5 estados que o iPhone é mais pesquisado em relação à Samsung.

Este não é um comportamento exclusivo no Brasil: nos EUA, foi realizada uma pesquisa de tendência da marca Ralph Lauren e foi encontrado que as buscas eram mais comuns em estados que a desigualdade era mais alta, apontando que os bens de luxo são mais famosos onde há maior desigualdade (UBEL, 2022). Não é por menos, muitos americanos pobres não podem/querer parecer que são pobres, principalmente por efeitos sociais, como relacionamentos, entrevistas de emprego e posições onde ter um status social pode gerar um resultado melhor. Além da vontade de pertencimento a um grupo "superior" na escala social.

Os problemas socioeconômicos relacionados (inadimplências e risco de capital)

A crença ilógica de um é a sobrevivência de outrem.
— Tressie Mcmillan Cottom, The Logic of Stupid Poor People

Comprar um iPhone pode ser algo almejado, porém não recomendado para quem não é rico. É mais difícil pagar e o risco de inadimplência aumenta quanto mais caro for o item (DI, 2022). A inflação vem pressionando mais e mais os consumidores, dificultando o pagamento de débitos e, além disso, há grande dificuldade de fazer um orçamento mensal pelas classes C, D e E da população (LEWIS, 2022), devido há vários empréstimos, alto custo de moradia e gastos inconsistentes mensais (PAUL, 2021).

Juntando a isso o surgimento de novos bancos que emprestam com formas de pagamentos diferentes e possuem menor quantidade de requisitos, temos a fórmula do insucesso. Não é por não conseguir pagar, porém qualquer deslize orçamentário leva muito tempo para recuperar devido à baixa renda mensal.

E a solução é...

Dado o sério problema insurgente com novos bancos, fintechs e similares, há uma necessidade clara de educação financeira. Mas não só por escolas de investimentos ou algo similar: deve começar na escola e incentivado por políticas públicas para que tenham melhor conhecimento e organização, para otimizar os gastos e reduzir a inadimplência. É preciso conhecer o que é um CDB ou por quê a taxa SELIC é tão importante. Somente assim, um pobre, comprando iPhone, pode fazer sentido.

Referências bibliográficas

  • RIDLEY, M., Rao, G., Schilbach, F., & Patel, V. (2020). Poverty, depression, and anxiety: Causal evidence and mechanisms. Em Science (Vol. 370, Issue 6522). American Association for the Advancement of Science (AAAS). DOI
  • KLOPACK, E. T., Crimmins, E. M., Cole, S. W., Seeman, T. E., & Carroll, J. E. (2022). Social stressors associated with age-related T lymphocyte percentages in older US adults: Evidence from the US Health and Retirement Study. Em Proceedings of the National Academy of Sciences (Vol. 119, Issue 25). Proceedings of the National Academy of Sciences. DOI
  • Kawasaki, G. (2015, April 28). The art of evangelism. Harvard Business Review. Retrieved October 27, 2022, from LINK
  • CAMPBELL, Heidi & La Pastina, Antonio. (2010). How the iPhone became divine: New media, religion and the intertextual circulation of meaning. New Media & Society - NEW MEDIA SOC. 12. DOI
  • UBEL, P. (2022) How the psychology of Income Inequality Benefits Luxury Brands, Forbes. Forbes Magazine. Available at: LINK (Accessed: October 27, 2022)
  • PAUL, Trina. (2021, November 30). Here's why budgets don't work for a lot of people. CNBC. Retrieved October 27, 2022, from LINK
  • LEWIS, Cora. (2022, September 15) As 'buy now, pay later' plans grow, so do delinquencies. (n.d.). Retrieved October 28, 2022, from LINK
  • DI, Wenhua and Su, Yichen, Conspicuous Consumption: Vehicle Purchases by Non-Prime Consumers (September 17, 2022). DOI

Dicas de leitura

  • Pai Rico, Pai Pobre (Rich Dad Poor Dad) - Robert Kiyosaki (Guia de como investir, como separar dinheiro, criação de orçamentos, de uma forma divertida).
  • A psicologia do dinheiro (The psichology of money) - Morgan Housel (Ensina como pensar à respeito do dinheiro, de forma prática e baseada no mundo real, não em planilhas do Excel).
  • Trabalhe 4 horas por semana (The 4-hours workweek) - Tim Ferris (Trabalha na mudança de mindset, priorizando o que for necessário para sair dos trabalhos 9-to-5)